Segundo o relatório da Organização das Nações Unidas (ONU)
publicado no último dia 23 de junho, 190 milhões de pessoas em todo o globo
haviam fumado maconha ao menos uma vez na vida em 2008, número equivalente ao
da população brasileira. Sendo a maconha a droga ilícita mais consumida, seus
usuários são muitas vezes apontados como responsáveis por boa parte do
financiamento do atual mercado, que em sua maioria tem forte relação com a
criminalidade e com a violência.
Durante muitos anos, reproduzimos essa equação simplista sem
maiores reflexões, recitando por aí o principal mantra do proibicionismo:
"Os usuários são os principais responsáveis pelo financiamento da
violência". Muitos devem lembrar que, em 2007, ano de lançamento do filme
"Tropa de Elite", era comum ver Capitão Nascimento afirmando
"Quem matou esse cara aqui foi você! É você que financia essa m...!"
enquanto esbofeteava o maconheiro e era aplaudido pela plateia nos cinemas.
Mas será que essa afirmação é 100% verdadeira? Será que hoje
em dia é assim tão fácil por a culpa nos usuários de maconha pela manutenção do
poder econômico dos traficantes?
Já no relatório de 2006, a ONU chamava atenção para
transformações que têm ocorrido no cenário do uso de maconha desde a década de
1960, como o uso de técnicas de cultivo com lâmpadas e o desenvolvimento de
novos híbridos da planta, que possibilitaram a redescoberta da cultura. A ONU
destaca que isso não tem apenas transformado o mercado fornecedor da erva, mas
também possibilitado a muitos usuários cultivarem a maconha que consomem.
A partir do crescimento do uso da internet, especialmente
com o lançamento do Growroom, grupo que atua em defesa dos usuários de maconha,
os brasileiros passaram a ter acesso a essas informações. Desde então, temos
visto o crescimento do número de usuários cultivadores acusados injustamente de
tráfico, muitas vezes permanecendo um período encarcerados até terem a
inocência comprovada.
O caso do baixista Pedro Caetano, da banda de reggae Ponto
de Equilíbrio, preso com oito plantas e dez mudas na última quinta-feira, é
mais um exemplo de como a lei vem sendo cumprida de forma abusiva e equivocada.
Se por um lado o artigo 28 da lei 11.343 de 2006 determina que é vetada prisão
nesses casos, vemos que o despreparo de policiais, delegados e outros
operadores da lei ainda impede sua correta aplicação.
É óbvio que a maior parte dos usuários ainda compra, mas é
cada vez maior o número de pessoas que buscam alternativas a esse circuito
perverso. A sociedade brasileira precisa não apenas começar a perceber isso,
mas estimular tal conduta. Já que em 2006 o Brasil retirou a pena de prisão
para os usuários, não podemos continuar passando a mensagem de que não faz
diferença se quem decide fumar maconha vai plantar em sua casa ou comprar numa
boca de fumo.
No mínimo, a Lei 11.343 deve ser cumprida, e os usuários
cultivadores não podem ser presos. Da forma como está hoje, estamos passando a
mensagem de que o usuário que adquire tem que cumprir penas alternativas e que
aquele cultiva deve ficar preso. Será mesmo que queremos fomentar uma sociedade
na qual o Capitão Nascimento continuaria a ser aplaudido mesmo que desse tapas
e xingasse um usuário que cultiva a maconha que consome?
*Sergio Vidal é antropólogo, escritor e trabalha no Growroom
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