"Os poderosos podem matar uma, duas ou três rosas, mas jamais conseguirão deter a primavera inteira".
(Che Guevara)

terça-feira, 7 de fevereiro de 2012

Maconha: entre liberdade de consumo e financiamento do tráfico


Segundo o relatório da Organização das Nações Unidas (ONU) publicado no último dia 23 de junho, 190 milhões de pessoas em todo o globo haviam fumado maconha ao menos uma vez na vida em 2008, número equivalente ao da população brasileira. Sendo a maconha a droga ilícita mais consumida, seus usuários são muitas vezes apontados como responsáveis por boa parte do financiamento do atual mercado, que em sua maioria tem forte relação com a criminalidade e com a violência.

Durante muitos anos, reproduzimos essa equação simplista sem maiores reflexões, recitando por aí o principal mantra do proibicionismo: "Os usuários são os principais responsáveis pelo financiamento da violência". Muitos devem lembrar que, em 2007, ano de lançamento do filme "Tropa de Elite", era comum ver Capitão Nascimento afirmando "Quem matou esse cara aqui foi você! É você que financia essa m...!" enquanto esbofeteava o maconheiro e era aplaudido pela plateia nos cinemas.
Mas será que essa afirmação é 100% verdadeira? Será que hoje em dia é assim tão fácil por a culpa nos usuários de maconha pela manutenção do poder econômico dos traficantes?

Já no relatório de 2006, a ONU chamava atenção para transformações que têm ocorrido no cenário do uso de maconha desde a década de 1960, como o uso de técnicas de cultivo com lâmpadas e o desenvolvimento de novos híbridos da planta, que possibilitaram a redescoberta da cultura. A ONU destaca que isso não tem apenas transformado o mercado fornecedor da erva, mas também possibilitado a muitos usuários cultivarem a maconha que consomem.

A partir do crescimento do uso da internet, especialmente com o lançamento do Growroom, grupo que atua em defesa dos usuários de maconha, os brasileiros passaram a ter acesso a essas informações. Desde então, temos visto o crescimento do número de usuários cultivadores acusados injustamente de tráfico, muitas vezes permanecendo um período encarcerados até terem a inocência comprovada.

O caso do baixista Pedro Caetano, da banda de reggae Ponto de Equilíbrio, preso com oito plantas e dez mudas na última quinta-feira, é mais um exemplo de como a lei vem sendo cumprida de forma abusiva e equivocada. Se por um lado o artigo 28 da lei 11.343 de 2006 determina que é vetada prisão nesses casos, vemos que o despreparo de policiais, delegados e outros operadores da lei ainda impede sua correta aplicação.

É óbvio que a maior parte dos usuários ainda compra, mas é cada vez maior o número de pessoas que buscam alternativas a esse circuito perverso. A sociedade brasileira precisa não apenas começar a perceber isso, mas estimular tal conduta. Já que em 2006 o Brasil retirou a pena de prisão para os usuários, não podemos continuar passando a mensagem de que não faz diferença se quem decide fumar maconha vai plantar em sua casa ou comprar numa boca de fumo.

No mínimo, a Lei 11.343 deve ser cumprida, e os usuários cultivadores não podem ser presos. Da forma como está hoje, estamos passando a mensagem de que o usuário que adquire tem que cumprir penas alternativas e que aquele cultiva deve ficar preso. Será mesmo que queremos fomentar uma sociedade na qual o Capitão Nascimento continuaria a ser aplaudido mesmo que desse tapas e xingasse um usuário que cultiva a maconha que consome?

*Sergio Vidal é antropólogo, escritor e trabalha no Growroom

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